quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Fragmentos 28

"Retirado en la paz de estos desiertos,
com pocos, pero doctos, libros juntos,
vivo en conversación com los difuntos
y escucho com mis ojos a los muertos"
Quevedo

Jean-François Revel – O Conhecimento Inútil

Fiquei surpreso ao ler O Conhecimento Inútil. Inicialmente pensei tratar-se do besteirol da mídia. Mas não é só isso. Revel — falecido em 2006 — encara os fenômenos de nosso tempo em livro de 1988 mostrando os acontecimentos que formaram a insensatez do século XX e do papel dos intelectuais no pandemônio. Contradições aberrantes entre a reivindicação de liberdade e a postulação de ditaduras, entre as formas de pensar politicamente corretas (a expressão não é da época) e o tipo de relativismo que permeia os recantos ideológicos do pensamento francês.

Inicia dizendo que a característica de nossa Era é a difusão da mentira. “Porém, a impotência da informação para iluminar a ação, ou mesmo simplesmente a convicção, seria uma desgraça banal se não fosse consequência de mais do que censura, hipocrisia e mentiras.”


“Sociedades abertas, para usar os adjetivos de Henri Bergson e Karl Popper, são tanto a causa quanto o efeito da liberdade de informar e ser informado. No entanto, aqueles que coletam as informações parecem ter como preocupação dominante falsificá-las, e aqueles que as recebem, com a de iludi-las. O dever de informar e o direito à informação são invocados incessantemente nessas sociedades. Mas os profissionais estão tão ansiosos para trair esse dever quanto seus clientes estão tão desinteressados em gozar desse direito. Na mútua adulação dos interlocutores da comédia da informação, produtores e consumidores fingem respeitar-se quando nada fazem senão temer uns aos outros".


(…) “gostaríamos de saber se a existência diante de nossos olhos de um determinado modelo de conhecimento determina entre nós o surgimento de uma porcentagem maior de pessoas inclinadas a pensar racionalmente. Sem arriscar a fazer hipóteses sobre isso, lembremo-nos por ora que em todo caso a maioria, de longe, das questões sobre as quais a humanidade contemporânea forma suas convicções e faz suas decisões correspondem ao setor conjectural e não ao setor científico de pensamento”.

[Uma observação pertinente sobre os dias em que a maior parte das ideias circulantes na ciência não são científicas, porém meras conjecturas].


“Em outro sentido, a palavra racionalismo, nos séculos XIX e XX, foi usada pejorativamente para designar a atitude fechada, chamada em francês com escárnio de "cientificismo", uma ideia fixa que consiste em reduzir toda a atividade do espírito à sua componente lógica, ignorando a originalidade e função do mito, poesia, fé, ideologia, intuição, paixão, o culto do belo e mesmo a sede do feio e do mal, o desejo de servidão e o amor ao erro. Mas, da crítica a essa visão estreita, passa-se com demasiada facilidade à tese mais ou menos confessada, segundo a qual não haveria, em suma, diferença entre comportamentos racionais e outros; ou, para melhor dizer, que não haveria comportamento ou paixão verdadeiramente racional”.


“A esquerda, mesmo - e acima de tudo - a não comunista, precisa cultivar a ficção de que existe um totalitarismo de direita tão imponente como o de 1935 ou 1940, em escala mundial, para poder servir de esponja ao totalitarismo comunista . Certamente, violações de direitos humanos, tiranias, repressões, extermínios e até genocídios fervilham fora do setor comunista do planeta. É uma evidência, e eles pululam muito antes de o comunismo aparecer em cena. Que seja necessário combatê-los e se esforçar para criar uma espécie de ordem democrática mundial é algo de que todo homem honesto está convencido. Mas é precisamente isso que não fazemos. Porque nos proibimos de compreender e, portanto, de tratar os males que pretendemos atacar, quando assimilamos uns aos outros e reduzimos à suposta unidade de um totalitarismo de essência nazista realidades tão díspares como o apartheid sul-africano, a ditadura do general Pinochet no Chile, a repressão às manifestações estudantis pelo governo de Seul ou, ainda, em uma democracia, a expulsão para seu país de origem de imigrantes clandestinos sem autorização de residência. É essencial, por um lado, lutar contra todas as injustiças do mundo e, por outro, conhecer bem o passado nazista. Mas não queremos conhecer o passado nazista. Queremos usá-lo para projetar uma cor uniforme sobre os ataques contemporâneos à dignidade humana que, pela mesma confusão, não podemos conhecê-los, explicá-los ou extirpá-los. Uma dupla rejeição da informação censura o passado nazista e disfarça os atuais ataques aos direitos humanos, servindo à primeira operação para executar a segunda. Daí a aparente incoerência que consiste em invocar, com ou sem razão, o monstro nazista, ao mesmo tempo que se protesta veementemente contra qualquer publicação ou mesmo reedição de um documento que esclareça suas fontes e mecanismos”.


“A dificuldade de ver com clareza e agir criteriosamente não se deve mais à falta de informação. A informação existe em abundância. A informação é a tirana do mundo moderno, mas também a serva”.


“Hoje, como antes, o inimigo do homem está dentro dele. Mas ele não é mais o mesmo: antes era ignorância, hoje é mentira”.

“… o mundo está dividido em três setores: o setor do Estado mentiroso, organizado e sistemático; o setor de informação livre; o setor de subinformação.”


“A democracia não pode viver sem a verdade, o totalitarismo não pode viver sem a mentira; a democracia se suicida se se deixa invadir pela mentira, o totalitarismo se se deixa invadir pela verdade. Visto que a humanidade está engajada em uma civilização dominada pela informação, uma civilização que não seria viável se fosse governada predominantemente com base em informações constantemente falsificadas, acredito que seja essencial, se quisermos perseverar no caminho em que estamos, a universalização da democracia e, além disso, seu aprimoramento”.


“Em uma democracia, o obstáculo à objetividade da informação não é mais, pois — ou é muito pouco — a censura; são os preconceitos, a parcialidade, o ódio entre os partidos políticos e as famílias intelectuais, que alteram e adulteram os julgamentos e mesmo as simples verificações. Às vezes, ainda mais do que a convicção, é o medo do ideológico "o que eles vão dizer" que tiraniza e amordaça a liberdade de expressão. O que mais paralisa, quando a censura deixa de existir, é o tabu”.


“Lembremo-nos de que o tabu é uma proibição ritual, que Roger Caillois em L'Homme et le sacré define muito corretamente como um "imperativo categórico negativo". Ele acrescenta que o tabu sempre consiste em uma proibição, nunca em uma receita. Mas toda proibição implica receita: proibir cruzar aquele campo que está diante de você é prescrever para contorná-lo”.


[E falando dos tabus da esquerda:]

“Só a esquerda pode deplorar com todas as garantias morais os horrores do comunismo. Você só terá o direito de falar se já elogiou Mao, Castro ou o Khmer Vermelho. Ou, pelo menos, nenhuma denúncia do comunismo, se vier do campo liberal, poderá passar pela alfândega ideológica da esquerda se não for acompanhada por seu contrapeso exato de denúncia de um crime fascista. Um escritor polonês que mora em Paris, Piotr Rawicz, me disse em meados da década de 1970 que entregou a um jornal um artigo sobre vários livros que tratam do comunismo e do nazismo. Como conclusão de sua resenha, ele escreveu: "Aos meus olhos, entretanto, o nazismo tem uma grande superioridade sobre o comunismo, e isso é que ele desapareceu em 1945." Ao abrir o jornal para ler seu artigo impresso, descobriu que essa última frase havia sido suprimida”.

“Nas democracias, qual é o tabu mais forte de nosso tempo desde a Segunda Guerra Mundial? Sem dúvida, na minha opinião, é o que proíbe todo escritor, todo jornalista, todo político de mencionar um atentado aos direitos humanos, qualquer abuso de poder, um fracasso econômico trivial, enfim, de dar informações sobre um fato que está situado em uma sociedade convencionalmente classificada de "esquerda", sem apontar imediatamente uma imperfeição equivalente em uma ditadura de direita ou em uma sociedade capitalista democrática”.


“Os chineses castigavam com a morte todo tibetano surpreendido rezando ou falando tibetano! A religião e a própria língua deviam pois ser apagadas da face da terra. Esses eventos, tanto no Tibete quanto no Camboja, aconteceram, quem os ignora ?, muito depois da Segunda Guerra Mundial, mas não me parece que a pedagogia do Holocausto tenha amenizado a plácida indiferença e a cumplicidade passiva dos ocidentais diante desses crimes contra a humanidade”.


“... além disso, nesta batalha contra os fantasmas, a vitória é certa. O resultado é conhecido de antemão,... À boa consciência, muito legítima, que todos os que se alinham no campo do Bem tem, acrescentamos, o prazer de o fazer sem riscos. Além disso, ao lançar um ataque contra um inimigo que já não existe, pode-se dizer que se cumpre o dever de defensor da liberdade, que o dispensa perante ameaças concretas, atuais e reais que o colocam em perigo, mas isso é obviamente muito mais difícil de combater”.


“… a ideologia não depende em nenhum caso da distinção entre o que é verdadeiro e o que é falso. É uma mistura inseparável de observações de fatos parciais, selecionados pelas necessidades da causa, e de julgamentos de valor apaixonados, manifestações de fanatismo e não de conhecimento”.


“A imprensa está em permanente estado de alerta para tomar conhecimento dos erros dos dirigentes políticos, mas não gosta muito que os seus próprios sejam notados e, em geral, recusa-se a reconhecê-los e, claro, a corrigi-los”.


“Quando nos perguntamos como e por que uma civilização nascida do conhecimento e dependente dele tenta combatê-lo ou deixa de usá-lo, sentimo-nos, logicamente, na obrigação de refletir muito particularmente sobre o papel dos intelectuais nesta civilização. De acordo com a visão canônica do nosso mundo, estariam, de um lado, os intelectuais, os escritores, jornalistas, os mestres, as autoridades religiosas, os sábios, que sempre defenderiam, ante e contra tudo, a justiça e a verdade; depois, do outro lado, os poderes do mal: os poderes constituídos, o dinheiro, os promotores de guerras, os acumuladores e exploradores, a polícia, os racistas, fascistas e ditadores, a opressão e as desigualdades, a direita em geral e um pouco a esquerda, em um pequeno número de seus desvios eminentemente temporários e atípicos. Essa visão prevalece tanto mais facilmente quanto a mídia, nas democracias, está, por definição, nas mãos daqueles que ela lisonjeia”.


[E sob a decepção com os erros dos intelectuais:]

Bertrand Russell, futuro ganhador do Prêmio Nobel, declarou em 1937: “A Grã-Bretanha deveria se desarmar, e se os soldados de Hitler nos invadissem, devemos recebê-los amigavelmente, como se fossem turistas; assim perderiam a rigidez e poderiam achar nosso estilo de vida sedutor. "


“É assombroso, por outro lado, ver quantos refugiados políticos europeus, entre os intelectuais expulsos do Velho Continente pelo totalitarismo, refugiados que, em suma, só deviam a sua sobrevivência à existência e acolhimento dos Estados Unidos, tomaram, durante a guerra fria e a primeira "ofensiva de paz" de Moscou em 1949, posições pró-soviéticas”.


“Quando se trata de um intelectual, portanto, a questão da culpa ou da inocência não deve ser levantada, não deve ser levada em consideração. O que quer que tenha feito, o intelectual não pode ser obrigado a comparecer ante um tribunal, nem mesmo para ser absolvido. Mesmo quando ele é condenado, com todas as provas necessárias, isto não prova, por outro lado, a sua culpa, visto que pertence a uma esfera superior à dos outros seres humanos (se estiver à esquerda, claro), visto que o seu reino não é de este mundo. Assim, nos Estados Unidos, Alger Hiss, importante colaborador de Franklin Roosevelt, foi condenado, no final da década de 1940, por espionagem a favor da União Soviética (ele era, em particular, a "toupeira" de Stalin dentro da Delegação Americana durante as negociações de Yalta, e as consequências puderam ser apreciadas). No entanto, Alger Hiss, aos olhos dos intelectuais americanos "liberais", foi considerado, e ainda é considerado, um mártir político e uma "vítima do macarthismo". A ponto de um jovem estudante universitário, Allen Weinstein, que se dedicou trinta anos depois a uma tese sobre aquele caso, e estava convencido, desde o início, da inocência de Hiss, foi forçado — em face da fúria deste último — por sua própria pesquisa histórica a mudar completamente de ideia”.

[Como jornalista Revel conta o caso corrente que ouvia das redações: ]

"Peço que você se limite a generalidades filosóficas, ou então nunca cite nenhum caso desagradável para a esquerda sem apresentar imediatamente um exemplo esmagador para a direita, e melhor dois do que um, se possível."


“A primeira etapa do uso do racismo na construção do grande tabu consiste em reduzir o múltiplo à unidade, isto é, reduzir todo tipo de comportamento, sem dúvida criticável, mas grave, nocivo e, sobretudo, de origem diversa, a um único conceito fundamental: racismo”.

“A segunda etapa visa assimilar esse racismo unificado, obtido pela fusão em um único bloco de uma miríade de trechos de comportamento discriminatório ou depreciativo, ao racismo ideológico, doutrinário e pseudocientífico dos teóricos do Terceiro Reich”.

“Por fim, numa terceira fase, qualquer medida que vise classificar o ser humano e distingui-lo será reduzido ao racismo, e por isso mesmo ao nazismo, ainda que seja por razões puramente práticas, escolares, de saúde, profissionais ou estritamente regulamentar”.

“Por exemplo, impor um teste de seleção para o ingresso na faculdade pode ser uma medida boa ou ruim. Isso pode ser discutido de um ponto de vista pedagógico e social. Mas nas manifestações de estudantes do ensino médio que aconteceram na França em dezembro de 1986 e na Espanha logo depois disso, a argumentação técnica não desempenhou nenhum papel. A retórica do protesto foi retirada da metafísica antirracista”.

“Condenava o princípio do exame como "comportamento excludente". O slogan era "não à discriminação". Em outras palavras, o aspirante à universidade cujo conhecimento estava sendo testado se comparava ao negro na África do Sul ou ao judeu caçado por Hitler. O governo que propôs a seleção revelou-se assim fascista, por causa de um projeto que só poderia ser interpretado com a ajuda do paradigma racista, pois a seleção universitária implica separação, exclusão, discriminação e, quem sabe?, talvez a deportação” ...


"A ideologia se baseia na comunhão na mentira, implicando no ostracismo automático de quem se recusa a compartilhá-la. Por isso, implica simultaneamente a suspensão das faculdades intelectuais e do senso moral."


[Revel não percebeu as relações entre socialismo e cristianismo e escreveu:]

“É um lugar-comum bastante difundido que a Igreja Católica repentinamente percebeu, depois de mil novecentos e sessenta e tantos anos, que sempre esteve do lado dos fortes e que era hora de estar de acordo com seus missão evangélica, e passar ao campo dos fracos. Assim, passou para o campo do anticapitalismo. Mas seria um erro acreditar que ela fez isso por um amor repentino pela debilidade. Se abraçou a interpretação socialista do mundo, é porque imagina - espero que erradamente - que o campo comunista seja o dos futuros vencedores, especialmente no Terceiro Mundo. Por isso, mantém-se fiel à sua tradição: estar do lado dos fortes”.

[Na apresentação dos erros grosseiros dos intelectuais, reserva um lugar para o riso, mais que para a ironia:]

“Assim, setenta e cinco laureados com o Nobel se reuniram em Paris, a convite do Presidente da República Francesa, de 8 a 21 de janeiro de 1988, para refletir sobre as“ ameaças e promessas no alvorecer do século XXI ”. Eles tornaram públicos os frutos de seu trabalho na forma de dezesseis conclusões, divulgadas solenemente em 22 de janeiro. O comentário mais brando que pode ser feito sobre esta conferência é que se ela tivesse reunido 75 carregadores, ou 75 cabeleireiros, ou 75 garçons de café, o resultado provavelmente teria sido mais original."

[E, em continuação:]

“Agora, o que lemos nas «Dezesseis Conclusões» daquela augusta assembleia? Em primeiro lugar, “todas as formas de vida devem ser consideradas patrimônio essencial da humanidade” e, portanto, devemos proteger o meio ambiente. Magnífico! Além disso, “a espécie humana é uma só, cada indivíduo que a compõe tem os mesmos direitos”. Isso já havia sido lido em algum lugar, séculos atrás. E mais: “A riqueza da humanidade também está na sua diversidade”. A ousadia e a novidade desses aforismos são positivamente avassaladoras. Mas tudo isso não é nada comparado ao que se segue. Temos que estremecer de gratidão, ao medir a força cerebral, a criatividade que foi necessária para descobrir que “os problemas mais importantes que a humanidade hoje enfrenta são, ao mesmo tempo, universais e interdependentes”. Com esses slogans em nossos bolsos, podemos esperar com confiança "o alvorecer do século 21".

“Além disso, na continuação do documento, os laureados com o Nobel carregam o destemor e a engenhosidade ao ousar afirmar que “a educação deve se tornar uma prioridade absoluta” e “em particular, nos países em desenvolvimento”; e também que “a alimentação e a prevenção são instrumentos essenciais de uma política demográfica”. Confortam-nos em saber também, oh, espanto, que "a biologia molecular nos permite esperar o progresso da medicina". Nossos pioneiros da ciência estão cheios de novas noções, por exemplo, que "a televisão e a mídia são um meio essencial para a educação". Mas, sagazes e circunspectos, acrescentam que "a educação deve ajudar a desenvolver um espírito crítico diante do que a mídia veicula". E pensar que ninguém havia pensado nisso!” “Nossos grandes homens então propõem às multidões fascinadas soluções tão inesperadas como reduzir o custo dos armamentos, usar o dinheiro que absorvem para outros fins ou convocar uma conferência internacional para examinar o problema da dívida do Terceiro Mundo. Mas, uma vez que as suas sugestões práticas sobre os meios para resolver este problema, ao qual, aliás, numerosas conferências já foram dedicadas, não nos revelam, tememos que este desejo piedoso permaneça na fase de projeto. Da mesma forma, o desarmamento é um clichê que perdura desde 1919 em todas as redações e em todas as chancelarias; mas enquanto não nos for dito como remover os obstáculos, políticos, estratégicos, nacionalistas, econômicos e ideológicos, que se opõem a isso, nada de novo ou útil terá sido dito."

[Invectivando contra os intelectuais que se convertem ao liberalismo, mas recusam falar do passado, diz:]

"Tudo procede da maneira errada em que se coloca o problema ordinariamente elusivo da "função do intelectual na sociedade". Como pode o intelectual ser o leme da sociedade se ele já é incapaz de desempenhar esse papel em seu próprio pensamento? O papel do intelectual na vida pública não pode ser cumprido se o intelectual não assumir primeiro o papel do intelectual na vida intelectual. Como ele pode ser um professor de honestidade, rigor e coragem para toda a sociedade, quando ele é desonesto, impreciso e covarde no próprio exercício da inteligência? ”

[Sutilezas de um e futilezas do outro]

… “Só quem mentiu ou errou tem o privilégio de retificar o erro (sem reconhecer, em nenhum caso, o seu erro)”.

"O comportamento político de Heidegger não é, portanto, um acidente de caráter, uma covardia subjetiva, mas é parte integrante de sua filosofia."

“A história da filosofia divide-se em duas partes: no decorrer da primeira, buscou-se a verdade; no decorrer do segunda, se tem lutado contra ela."

“O que, com efeito, torna a superioridade do intelectual sobre o resto da espécie Homo sapiens é que ele tende não apenas a ignorar o conhecimento disponível a ele por preguiça, mas a aboli-lo deliberadamente quando ele se opõe à tese que ele quer acreditar."

“Não existe uma boa sala de aula sem um playground adjacente. Mas não existe uma boa escola que só dê cursos recreativos."

"... de acordo com Le Bon um grupo humano se transforma em multidão quando subitamente se torna sensível à sugestão e não ao raciocínio, à imagem e não à ideia, ao enunciado e não à prova, à repetição e não à argumentação, ao prestígio e não à competição. Na multidão, uma crença se espalha não por persuasão, mas por contágio. A missão dos intelectuais seria, teoricamente, desacelerar esses mecanismos irracionais: na prática, eles os aceleram”.


“Um modismo intelectual é o fenômeno pelo qual uma teoria, um conjunto de afirmações, que muitas vezes não são mais do que um grupo de palavras, apodera-se de um número significativo de espíritos por outros meios que não a demonstração. Para que esse fato seja paradoxal, deve ser uma teoria, e uma teoria cuja ambição seja científica. Em tudo o que é domínio, não do conhecimento, mas do gosto, a moda é o funcionamento natural das coisas. O enigma começa onde o que depende dos critérios do conhecimento consegue se impor sem se submeter a esses mesmos critérios. Não ser racionalmente testável ou refutável é completamente normal para um chapéu ou uma dança, mas nem tanto para uma teoria psicanalítica, econômica ou biológica. Mas precisamente quando uma teoria tem sucesso "fora dos critérios", quando a mera sugestão de aplicar critérios de teste a ela se torna um sacrilégio, é quando nos encontramos na presença de uma moda."

“O psicanalista Lacan recusou os critérios técnicos da cura, a ponto de ser expulso da Associação Internacional de Psicanálise. Substituiu as dificuldades reais da pesquisa científica pelas dificuldades artificiais de um estilo sombrio, precioso e pedante, que dá a seus leitores e ouvintes, ao mesmo tempo, a ilusão de fazer um esforço e a satisfação de se acreditarem iniciados em um pensamento particularmente árduo”.

“Então, por que uma moda morre? Não porque tenha sido refutada, porém porque outras doutrinas, outras correntes, se interpuseram, com outro vocabulário, a cumprir as mesmas funções, a satisfazer as mesmas necessidades que a velha moda, que nesse momento se cobre de rugas no espaço de uma manhã. Os que ocupam o lugar que Lacan ocupou recentemente estão ali, diante de nossos olhos, seus nomes estão em todos os lábios, sua magia transfigura uma multidão de assuntos sobre os quais ninguém considera que devam exercer um controle de competência, ou cuja incompetência demonstrada não os tira a menor audiência. E os leitores que se julgam libertados da moda desgastada não suspeitam que o que clamam naquele exato momento é uma nova encarnação da ilusão que os deixou de atrair."


“Por fim, uma terceira característica dos intelectuais mostra que eles enfatizam, mais uma vez, no lugar de corrigi-lo, o erro humano: é sua estranha inclinação para os sistemas totalitários. Um olhar sobre os últimos três séculos nos ensina que apenas uma minoria de intelectuais optou pela sociedade liberal. A maioria deles escolheu projetos para domar o homem, para a produção do "novo homem". Para esta maioria, a cultura constitui um meio de dominação, reforma, propaganda e governo; tudo, exceto um meio de conhecimento."


“Um das manias mais intrigantes dos intelectuais consiste em projetar sobre as sociedades liberais os defeitos que eles se recusam a discernir nas sociedades totalitárias. Vimos esse mecanismo de inversão de papéis ocorrer em intelectuais americanos."


“A sorte de termos uma quantidade incomparavelmente maior de conhecimento e informação do que apenas três séculos, dois anos, seis meses atrás, nos leva a tomar melhores decisões? Por enquanto, a resposta é: não."


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